terça-feira, 12 de janeiro de 2010

* Achadouros de infâncias *



No dia das crianças, pensei que a infância é que precisa ganhar presente. Essa infância, por nós inventada, que tem sido tão maltratada no mundo contemporâneo pelos adultos que estão com tanta pressa de fazer as crianças crescerem.

A infância passa rápido por si mesma, nem é preciso empurrá-la ou puxá-la; e hoje, as crianças que cresceram fizeram outras crianças e estas nem imaginam que seus pais já foram crianças um dia. Que fizeram traquinagens, que desobedeceram aos pais, que levaram broncas e castigos, que foram à escola às vezes com gosto e outras vezes com desgosto, que brincaram com brinquedos da época, sem brinquedos, com brinquedos que inventaram, com brincadeiras de quintal e de rua, etc.

Hoje pode ser um bom dia para contar aos filhos um pouco da história dos pais crianças. Encontrar, como Manoel de Barros disse, os “achadouros de infâncias”, texto que reproduzo abaixo que faz parte do livro “Memórias Inventadas – A Infância”. Aliás, vale a pena ler os três livros - pois ele fez o da segunda infância e o da terceira também - para retomar o que de fato é importante nessa fase da vida.

Os filhos vão adorar ouvir as histórias de seus pais. Isso tece uma narrativa que ajuda a criança a dar um sentido de identidade à sua vida, que começou bem antes de ele nascer. Ele precisa saber, à seu modo, que não é o primeiro nem será o último de sua família.

Com a palavra, Manoel de Barros:

Achadouros

“Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade. Mas o que eu queria dizer sobre o nosso quintal é outra coisa. Aquilo que a negra Pombada, remanescente de escravos do Recife, nos contava. Pombada contava aos meninos de Corumbá sobre achadouros. Que eram buracos que os holandeses, na fuga apressada do Brasil, faziam nos seus quintais para esconder suas moedas de ouro, dentro de grandes baús de couro. Os baús ficavam cheios de moedas dentro daqueles buracos. Mas eu estava a pensar em achadouros de infâncias. Se a gente cavar um buraco ao pé da goiabeira do quintal, lá estará um guri ensaiando subir na goiabeira. Se a gente cavar um buraco ao pé do galinheiro, lá estará um guri tentando agarrar no rabo de uma lagartixa. Sou hoje um caçador de achadouros de infância. Vou meio dementado e enxada às costas a cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos.”


Meu desejo é que hoje os adultos sejam arqueólogos da infância e que comuniquem aos mais novos as suas descobertas.


Um bom dia de contador de histórias para todos!

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora “Como Educar Meu Filho?” (ed. Publifolha) rosely@folhasp.com.br

2 comentários:

Pollyana disse...

Gostaria de registrar meu descontentamento em ver o texto censurado sem a devida indicação. Um trecho foi cortado arbitrariamente... entendo porquê, mas é preciso ter cuidado...

Pollyana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.

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