terça-feira, 2 de março de 2010

O Brincar no Currículo da Educação Infantil






O currículo da escola de educação infantil tradicional baseado no brincar foi criado por tentativa e erro, como uma peça de artesanato. Já está na hora de desenvolvê-lo, como na medicina, que avançou por meio de pesquisa científica e teoria

A maioria dos educadores de crianças concorda que elas aprendem melhor por meio do brincar. Alguns exemplos de atividades lúdicas que podemos encontrar em suas salas de aula são construção com blocos, jogo simbólico, pintura, brincadeiras com areia e água e quebra-cabeças. Embora os educadores acreditem na importância do brincar para a aprendizagem, quando são chamados a justificar seu valor educacional, acabam referindo-se a aspectos acadêmicos. Construir com blocos, por exemplo, pode ser importante nas áreas de ciências (na busca do equilíbrio), geometria e representação (na montagem de um posto de gasolina).

A teoria de Piaget sugere, porém, que o pensamento da criança na faixa de 3 a 6 anos ainda não diferencia assuntos acadêmicos. Por essa razão, vemos elementos de diferentes áreas no brincar da criança, conforme mencionei em relação à construção com blocos. No jogo simbólico, da mesma forma, podemos observar elementos das ciências sociais (como o exercício de papéis sociais: pai, mãe e vendedor de loja) e de aritmética (ao brincarem de dar dinheiro e receber o troco, por exemplo).

Os três tipos de conhecimento

Piaget fez uma diferenciação entre três tipos de conhecimento, de acordo com a sua fonte principal. São eles o conhecimento físico, o conhecimento social-convencional e o conhecimento lógico-matemático. Conhecimento físico é o conhecimento que provém dos objetos do mundo exterior. O que sabemos sobre a forma, a cor e o peso de um bloco de madeira são exemplos de conhecimento físico. O fato de os blocos caírem, caso não estejam em equilíbrio, também é um exemplo desse tipo de conhecimento. Esses "pedaços" de conhecimento podem ser obtidos pela observação.

Exemplos de conhecimento social-convencional são as línguas, como o português e o inglês. Nosso conhecimento sobre lojas, dinheiro e feriados também fazem parte desse segundo tipo. A fonte principal do conhecimento social são as convenções feitas pelas pessoas, assim como a fonte básica do conhecimento físico provém dos objetos. Isso significa que a melhor fonte de conhecimento físico para crianças pequenas são os objetos e do conhecimento social são as pessoas.

O conhecimento lógico-matemático é bem diferente, na medida em que sua fonte principal é a mente de cada indivíduo. Se nos apresentarem um bloco cilíndrico e outro retangular, por exemplo, podemos dizer que os dois são "diferentes". Nessa situação, a diferença entre ambos não existe no mundo externo. Ela não é observável, e sim criada por cada indivíduo, que pensa nos dois blocos como sendo diferentes. A prova disso é que o mesmo indivíduo pode pensar neles como sendo "semelhantes". Assim, é tanto verdade dizer que os dois objetos são diferentes quanto dizer que eles são semelhantes. O indivíduo pode pensar ainda nos blocos numericamente, concluindo que eles são "dois". Cada bloco é observável (conhecimento físico), mas o número "dois" não o é. "Dois", "diferente" e "semelhante" são relações mentais criadas por cada indivíduo através de seu raciocínio.

O leitor deve ter notado que a teoria de Piaget a respeito do conhecimento lógico-matemático difere muito da suposição empirista na qual a educação tradicional tem-se baseado. Segundo o empirismo, todo conhecimento tem origem externa e é adquirido pelo sujeito através de um processo de interiorização por meio dos cinco sentidos. Contudo, os exemplos de relações lógico-matemáticas apresentados são de natureza classificatória (diferente e semelhante) e numérica (dois). Um terceiro tipo de relação, o qual pode ser visto na Tabela 1, estabelecido entre relações lógico-aritméticas, é a seriação. Ela se refere à ordenação mental de objetos de acordo com as suas diferenças. Pensar sobre o maior bloco, o segundo maior bloco e o terceiro maior bloco é um exemplo de seriação.
Classificação, seriação e quantificação são relações entre objetos discretos, por isso aparecem na Tabela 1 como "relações lógico-aritméticas". Já as relações espaciais e temporais são de outra natureza, uma vez que não são discretas. A distância entre São Paulo e Nova York, por exemplo, é contínua. Similarmente, o tempo decorrido entre a Idade Média e a atualidade também o é. Eventos e objetos existem no tempo e no espaço. Piaget referiu-se a esse quadro como estrutura espaço-temporal.

O conhecimento lógico-matemático encontra-se no cerne da teoria de Piaget, pois serve como base e estrutura de todo conhecimento, formando sistemas independentes à medida que a criança constrói operações concretas. Para termos o conhecimento físico de que um bloco de madeira é muito pesado, por exemplo, precisamos de uma estrutura classificatória que nos permita pensar em "coisas que são muito pesadas" e "coisas que não são muito pesadas". Para termos o conhecimento social de que aos domingos não há aula, temos de pensar nos "domingos" em oposição a "todos os outros dias da semana". Quando as crianças adquirem o pensamento operatório concreto, elas constroem um sistema de classificação, um sistema de seriação, um sistema de quantificação, um sistema funcional de espaço e um sistema funcional de tempo.



Constance Kamii






Revista Pátio

Ano VI - Nº 21 - Existe uma pedagogia da infância? - Novembro



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