sábado, 23 de janeiro de 2010

*A confusa conquista da autonomia*

Ninguém tem dúvidas a respeito da situação da criança pequena: ela exige proteção, assistência, atenção o tempo todo, e isso sem falar do amor, é claro. Sem o adulto, o bebê não sobrevive, não se reconhece. A criança de até seis anos - é bom lembrar que idades são simples referências porque é preciso levar em consideração as diferenças pessoais - não tem condições de assumir responsabilidades, de tomar decisões e de fazer escolhas. A criança pequena não possui, portanto, autonomia.

Parece simples, mas, na prática, essa idéia ganha uma complexidade que confunde muita gente. Um exemplo corriqueiro: o ato de se vestir. Inicialmente, a criança precisa dos pais para colocar ou tirar a roupa. Ela pode até resistir, mas o fato é que não dá conta sozinha da tarefa. Aos poucos, com o auxílio dos pais e à medida que ganha desenvoltura de movimentos, ela conquista a capacidade de se vestir. Aí começam os problemas.

Alguns pais, ansiosos quanto ao crescimento do filho, acreditam que, quando ele mostra ter condições de se vestir sem ajuda, já pode assumir a responsabilidade por essa obrigação. Mas esses pais costumam amargar muitos dissabores. Mesmo que tenham o cuidado de deixar a roupa ao alcance do filho, ora ele enrola, ora gasta tempo demais na tarefa e, às vezes, se distrai com outras coisas e se esquece de fazer o que deveria. E já sabemos o que ocorre a seguir: pequenos atritos e grandes desgastes para ambos. É que os pais não se dão conta de que executar o ato é bem diferente de se responsabilizar por ele. Em resumo: a criança já aprendeu a se vestir, mas precisa, ainda, de tutela. Ela ainda não adquiriu autonomia para isso.

E para dormir, a criança dessa idade tem autonomia? Ela ainda não sabe reconhecer quando está cansada nem tem condição de tomar a iniciativa de se recolher, por isso precisa da imposição dos pais. Mas, depois de ter suporte para se despedir da vigília - os rituais são excelentes para isso -, pode ficar sozinha até adormecer, mesmo que resista. Mas os pais parecem se esquecer disso e, em geral, acolhem o pedido de companhia que o filho faz. Essas duas situações ilustram bem a confusão que se faz com a idéia de autonomia da criança. À proporção que o filho cresce, cresce em igual proporção o desarranjo entre a autonomia possível e a tutela necessária. Vamos considerar, como exemplo, a relação das crianças a partir dos sete, oito anos, com o computador e a internet. Nessa idade, elas têm desenvoltura e iniciativa para executar todos os procedimentos necessários para usar bem essas ferramentas. Muitas vezes, até melhor do que os pais. Entretanto, não têm ainda condição de autonomia para isso, ou seja, não conseguem se responsabilizar pelo que fazem, se confundem quanto às regras de convivência e respeito que estão embutidas nos relacionamentos virtuais, não sabem avaliar o tempo de uso e de dedicação a essa distração etc. Para isso, precisam da orientação dos adultos.

Já no início da adolescência, muitos freqüentam festas que varam a madrugada, viajam em grupos sem a companhia de adultos, ingerem bebidas alcoólicas, travam relacionamentos íntimos, praticam esportes radicais. Entretanto, não têm permissão nem são ensinados ou incentivados a irem sozinhos à escola usando transporte coletivo, entre outras atividades possíveis.

É no meio dessa confusão que eles se perdem e ficam sem referência sobre o que conseguem e devem fazer sozinhos ou para que precisam de ajuda ou tutela. É dessa maneira que muitos permanecem dependentes dos pais e/ou controlados por eles quando não precisariam ou ficam abandonados a agir e a reagir com seus próprios recursos em situações ainda delicadas para eles. Para sair dessa confusão, lembrar que ser capaz de fazer algo é bem diferente de se responsabilizar plenamente por algo ajuda muito.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora “Como Educar Meu Filho?” (ed. Publifolha) rosely@folhasp.com.br

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