Muitos pais de crianças que estão com cinco anos agora, principalmente se completados no segundo semestre, estão mergulhados em uma missão: convencer a escola de que o filho está apto a iniciar o Ensino Fundamental em 2010.
O maior problema é que o ano tem 12 meses e as crianças nascem em todos eles. Para resolver tal questão, talvez pudéssemos decretar o nascimento de crianças até 30 de junho, apenas. Pelo menos no Estado de São Paulo.
É essa a data de corte para a matrícula no primeiro ano do Ensino Fundamental por aqui. Isso faz com que pais de crianças que nasceram em meados de julho ou nos meses subsequentes contestem a medida.
Pais advogados ou de outras profissões têm mil argumentos dos mais lógicos e legais aos mais apaixonados e grosseiros na busca de tentar garantir ao filho o domínio da leitura, da escrita e da aritmética o mais cedo possível.
Quais as razões que os pais têm para essa atitude? Sem dúvida, o clima altamente competitivo em que vivemos. O raciocínio é o de que quanto mais cedo a criança começar o aprendizado formal, maiores seriam suas chances de se dar bem na vida futuramente.
Pesa também a quase certeza da precocidade das crianças: elas se viram muito bem com as mais variadas facetas do mundo adulto e muitas demonstram gosto pelas letras, números e tarefas escolares. Entretanto, estudos e pesquisas têm apontado que não há relação entre uma vida escolar exitosa com início precoce dela.
Talvez fosse mais interessante pensar no presente das crianças e não em seu futuro. Na Educação Infantil, a criança goza ou deveria gozar de liberdade para aprender. Explora o mundo à sua volta de preferência em um ambiente amigável, confiável e seguro -ao seu modo, em seu tempo e sempre por meio de brincadeiras, sem ser dirigida por adultos, apenas acompanhada por estes. O grande aprendizado nessa época da vida é o que chamamos de socialização: aprender a conviver consigo mesma, com o grupo de pares e com adultos por eles responsáveis.
Para bem começar o Ensino Fundamental e o primeiro ano dele ainda deve ser de mais tempo dedicado ao brincar do que ao ensino formal a criança deve estar preparada para estar com os outros em um espaço comum, saber compartilhar, seguir sem grandes dramas as instruções dadas, acatar as orientações dos adultos e estar pronta para crescer. Tudo isso é muito mais importante que suas habilidades com letras e números.
Colocar a criança antes dos seis anos nesse clima é queimar uma etapa em sua vida, é colocá-la sob pressão. Em nome dos anseios dos adultos? Não vale a pena já que sabemos que toda etapa queimada, um dia volta. Só não sabemos como.
Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.
Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo.
Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado."
Rubem Alves
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